Santuário de Nossa Senhora do Sagrado Coração

Vila Formosa - São Paulo - Brasil

“Dona: Carregue-me em seus braços” – Dona Cordélia

Com esta frase, uma devota de Nossa Senhora do Sagrado Coração sempre acorria a ela: “Nasci em Inhaúma, em 1945, interior de Minas Gerais, próxima a Sete Lagoas. Meus pais, Francisca e Raimundo, tiveram 11 filhos. Apenas um era homem. Mudamos para algumas cidades até que paramos um pouco em Paraguaçu (MG). Em 1961 viemos para São Paulo e fomos morar na antiga rua 92, hoje Av. Trumain. Chegamos em primeiro de setembro e no domingo seguinte já começamos a participar da missa aqui no santuário. Conta Maria Cordélia, uma das 10 filhas do casal.

No início, conheciam apenas a missa das 7h30. “Íamos todos juntos. Meus pais minhas irmãs e eu. Nosso único irmão ficou em Minas. Entrou no exército e lá permaneceu. Participávamos da primeira missa. Depois descobrimos que havia outras e então nos distribuímos, até por que a idade já nos permitia sermos mais livres. Embora nosso pai sempre tinha muito medo de nos deixar sozinhas, devido a violência que já existia naquela época…” rememora ela.

Permaneceram no primeiro endereço por cerca de 3 anos: “Uma amiga nossa que já morava em São Paulo comunicou nosso pai que tinha um empresa aqui que estava contratando. Então ele veio, alugou duas casas e transformou em uma. Nada que comparasse a que morávamos, pois lá havia 5 dormitórios grandes, uma sala e uma cozinha enormes. Onde encontra algo parecido aqui em São Paulo? Aqui, havia uma igreja evangélica próxima. Uma de nossas irmãs, Dorotéia, era freira beneditina. Uma vez veio e passou um mês com a gente. Pois não é que eles colocavam as caixas de som para fora e com som bem mais alto! Meu pai ficava muito bravo, mas não podíamos fazer nada…”, relembra sorrindo.

Por sinal, ainda com relação a irmã Dorotéia, conta: “certa vez, mamãe foi visitá-la no mosteiro. Ela adorou lá. Gostou tanto que falou com a madre ‘olha, tenho outras filhas lá. Se quiser, pode buscá-las também’. Ao voltar, quando nos contou, todas dissemos: ‘nada de vir buscar. Quem quiser, tudo bem. Não é assim, não!”, relembra às gargalhadas…

O trabalho de forma mais direta na igreja, não demorou muito a aparecer: “Pe. José Quirino, convidou-me para participar da Legião de Maria. Mas logo percebi que não era meu jeito. Logo que o Pe. Pedro Dingenouts criou o JOVIC, comecei a participar. A missa dos jovens era a das 10h30, mas quase não tinha jovens. Foi então que comecei a cantar e sempre gostei de participar da missa deste horário. O Pe. Geraldo foi um dos que mais animava nessa missa, ainda mais que ele a animava com uma guitarra”… rememora ela.

No início da década de 1970, sua vida mudou significativamente: “Além de cantar nas missas, eu ajudava também em diversos eventos. Sempre cantando. Quando fiquei grávida da Renata a primeira pessoa que procurei para contar foi o Pe. João Smits. Eu estava no terceiro mês, mas a barriga não aparecia. Ele apenas falou com firmeza: ‘você não está apertando a barriga com o cinto, está? Se estiver você vai para o inferno’. Claro que não estava. Ele me apoiou muito como muitas outras pessoas também. Claro que algumas até aconselharam que eu me afastasse. Nossa Senhora do Sagrado Coração sempre não só me acompanhou, mas me carregou no colo. Passei quatro meses em Minas, em Curvelo, na casa de uma de minhas irmãs. Pouco após dar a luz retornei a São Paulo, numa Sexta-feira Santa. Fui logo falar e pedir ao Pe. Pedro: ‘quero batizar a minha filha amanhã’. Ele respondeu perguntando: ‘amanhã de manhã?’. Não! Quero na missa da ressurreição. E já tem os padrinhos? Sim, respondi. Então está combinado. Depois fiquei sabendo que ele e o Pe. João Smits discutiram muito com os outros padres que eram contra”, relembra Cordélia.

Além sempre cantar, na década de 1990 foi também catequista, membro da Fraternidade MSC e Liturgia. Também foi zeladora da capelinha de Nossa Senhora do Sagrado Coração, função que assumiu após a morte de sua irmã Maria Candida.

Todos passamos por dificuldades. Porém, algumas são mais fortes: “Nossa Senhora sempre me carregou no colo. Três momentos marcaram muito minha vida na igreja. A primeira, quando da chegada do Pe. Vitório. Ele fez muitas mudanças, e nem sempre estamos preparados para entendê-las e vivê-las. A segunda foi na saída do Pe. Almir e chegada do Pe. Jorge. Também muitos conflitos nesta mudança. E, finalmente, quando da descoberta do câncer em meu pulmão. Fui visitar Nossa Senhora do Sagrado Coração e disse a Ela: ‘Olha dona, sei que seu Filho já caminha há muito tempo. Solte-o e pegue-me no colo. Estou precisando demais’. Após um mês e meio de quimioterapia, quando cheguei fui falar com ela. Não consegui. Só chorava, mas ela entendeu meus agradecimentos. Ela carregou não somente a mim, mas minha filha Renata também que sabia que eu tinha apenas um mês e meio de vida e não me falou nada. As pessoas amigas da Igreja foram o “Cirineu” que ajudou a Renata carregar esse peso”. Conta emocionada.

Sua maior emoção, foi na Festa da Padroeira em 2010: “A Renata pediu ao padre para que eu pudesse ir à procissão no carro de som, na frente, sentada com o motorista. Afinal eu não podia caminhar. Ele não autorizou. Ao contrário, eu podia ir em cima. Ao chegar no caminhão fui para entrar na frente. Ela me puxou e disse que era para eu subir. Nem sei como subi. Ou melhor, Nossa Senhora me puxou. Fui chorando. Lá em cima eu dizia: ‘mãe vou te agradecer fazendo o que sei fazer: cantar. E cantei e chorei a procissão inteira”… finaliza ainda mais emocionada.

Maria Cordélia, carinhosamente chamada de Dona Cordélia, nos deixou em 30 de maio de 2013. A entrevista foi concedida ao Jornal Santuário de Maria, em novembro de 2011.

Miguel Mota